sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Torpor

A tarde era de verão, de um resto de verão quente. Paola estava sentada na beira da cama, a luz entrava pela janela e iluminava os cantos do quarto. As cortinas moviam-se suavemente, embaladas pela brisa suave. Ela olhava para seus pés, pensativa. Movia os dedos, seu olhar estava perdido, distante. Não estava triste, não estava feliz, estava obsoleta, nula. A brisa agora batia em seus cabelos. Sua mãe adentrou o quarto, falou algo, sobre alguém que havia se casado, exterior, casa grande, homem rico, ela apenas balançava a cabeça afirmativamente, concordando, não estava nem prestando atenção, ouviu a informação em fragmentos. Ficou sozinha novamente no quarto, percebeu que a música que estava ouvindo havia acabado. Agora so o barulho do ventilador, e de um carro passando lá fora. A sexta-feira também passava, preguiçosa, se arrastando. O violão ao seu lado, tarefas por fazer. Olhou o chão, pensou que deveria ser varrido, e suas roupas dobradas. Um filme para assistir, uma música nova para tirar. E seus pensamentos meio entorpecidos, anulados, flutuantes. Numa tarde quente de uma sexta-feira de verão.

sábado, 21 de fevereiro de 2009

Posse

O cíumes era posse, virou fera
cravou as unhas no chão e os dentes nela
na pele que arrepiou, doeu, uivou
saiu ferida, perdida, não chorou
mastigou, engoliu, digeriu
e olhou pra mão que fechava, segurava
pensou que ali estava
que estava na mão fechada, e abriu
nao tinha nada, a mão vazia, e riu
vazia, não segurava nada
mas eu seu braço reluzente a corrente surgia
ela era a posse
que achava que também possuía.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Castelos de areia


Alicia construia mais uma vez seu castelo de areia. Era o terceiro que ela fazia, o primeiro fora derrubando por uma onda, súbita, traiçoeira~que acertou em cheio a lateral direita de seu pequeno castelo, que ainda estava disforme. Na segunda tentativa, Alícia, tentava com suas pequenas mãos e gestos ágeis, construir a segunda parte do castelo em cima do antigo que havia sobrado e virado apenas uma pequena montanha de areia molhada. Ela já estava orgulhosa com um pequeno muro que havia erguido, e um buraco a frente que seria seu lago, mas de repente, ao retirar mais uma porção de areia do "lago", seu castelo começa a escorregar para dentro dele. Ela sem perceber havia retirado as bases que sustentavam a parede interna do castelo. Pobre Alícia. Ela resmungou, ficou de pé e pôs-se a chutar o que havia restado do castelo e depois se sentou em frente aquela enorme pilha de pequenos montinhos de areia. Refletiu e pensou que poderia fazer um castelo lindo, maravilhoso e nada dessa vez destruiria. E começou a cavar com afinco, fez estruturas para que o "lago" nao afundasse o castelo, montou um muro, e sorriu ao ver que ja tinha até uma torre alta, onde provavelmente uma princesa estaria presa esperando seu príncipe chegar. Estava sentada com as pernas cruzadas, cheia de areia por todo seu maio rosa, com algumas pazinhas e o baldinho jogados de lado. Olhou para o mar, medindo para ver se as ondas chegariam ali depressa, achava que não. Mas eis que ao seu lado surge um par de pernas, e justamente um dos pés posiciona-se no meio de seu castelo, destruindo-o, amassando-o. Alícia olha com os olhos cheios de lágrima de fúria, e encontra os olhos de um garoto estranho, que sorri com sarcasmo, feliz por destruir pela terceira vez o castelo de areia que ela construíra.
Alícia salta da cama, o despertador tocando ao seu lado, tem que se arrumar para ir trabalhar. Ela percebe o sonho estranho que teve, e se recosta em seu travesseiro para lembrar dos detalhes. No sonho, ela criança, castelos de areia... Suspira, atira o lençol para o lado e se levanta. Abre a janela, o sol esta nascendo e o céu se colorindo com poucas cores. Se lembra do sonho ao olhar para o mar. E percebe que é hora de construir castelos mais sólidos, porque os de areia, num piscar de olhos deixam de existir.



quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Brinquedos

Voce pode mesmo ir jogando seus joguinhos estúpidos e ir coletando suas pérolas, colecionando seus brinquedos que se espalham pelos cantos, usados, largados de lado, tendo em mãos aquele mais favorito, e cobiçando o mais desejado. Mais um pra coleção, mais um com configurações e estrutura diferente, mas, mais um brinquedo, faz praticamente as mesmas funções, e os brinquedos ficam ali a se arrastar pelo quarto, aos seus pés esperando o momento de terem seus minutos de atenção.

domingo, 15 de fevereiro de 2009

Malas

Cruzei a porta da rua com a mochila nas costas e a mala nas mãos. Saí caminhando pela calçada molhada da fina garoa que caia. Ajeitei o casaco. Nas mãos as luvas protegiam contra o frio cortante de inverno. Andava a passos calmos, sem saber direito para onde ir. Uma porta se abriu e la de dentro um cheiro delicioso de café tomou conta dos meus sentidos. Resolvi entrar e me sentei numa mesinha no canto, perto do balcão, em frente a janela. A garçonete, uma moça bonita, loira, sorridente , mas com um olhar triste veio me atender. Pedi um café, apenas. Ela se retirou, olhei pela janela e vi o vidro embaçado, meus pensamentos se distanciaram. Me lembrei de tudo que havia sofrido e as humilhações. Procurava imagens bonitas, mas elas não vinham. Fui desperta de meu devaneio, com um toque suave nos ombros. "Seu café vai esfriar". Era a garçonete de olhos tristes. Eu podia sentir a tristeza daquela mulher, e via o quanto era maior que a minha. Mas não podia voltar a me deixar dominar pelos sentimentos dos outros. Eu já tinha muita coisa por conta própria. Fiquei ali, saboreando o café, por um longo tempo. Pensando no que fazer e para onde ir. Estava sem rumo, sem destino, sem casa, sem nada. Mas justamente por não ter nada disso foi que sorri. Porque pela primeira vez eu me sentia eu mesma.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Pertençe?

O que é isso? Um abraço? Tire daí esse braço, menina, que isso aí não é seu.

domingo, 8 de fevereiro de 2009

Traçado

Suba, desenha em teus dedos, minhas curvas
me cubra, e descubra a pele desnuda
ordene no olhar, condene o desejo desmedido que inflama
me arranha as costas, repudie, arrepia, silencie
A língua que percorre o destino e sente o gosto dos instintos
Permita-me entregar-te o que te pertençe, o toque suave no ventre
a ter como rédeas as mãos enlaçadas nos cabelos, conduza
o encontrar e se perder, o poder
O chao que toca os joelhos e acaricia o olhar
Toca-me o queixo com seus dedos, o leve respirar
conduza, encontre e faça se perder e se encontrar
ao se prender para se libertar.

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Outono chuvoso - Parte I

No torpor do vinho, ela se viu cambaleante pela sala iluminada apenas pela lareira, o cheiro adocicado percorria o ambiente. Foi até a janela, embaçada, a chuva escorria pelo vidro, desenhando linhas aleatórias, desconexas, tristes como lágrimas. Deixou-se levar pelos pensamentos enquanto observava o céu tempestuoso, belo, assustador. Ela sempre gostava de olhar as nuvens, raios e trovões cortando o céu, uma melodia interminável naquela tarde fria de outono. Respirou fundo, percebeu que o vinho em sua taça havia acabado, que diferença fazia?, nao queria mais beber mesmo. Sentiu seu corpo ficar pesado, olhou a sua volta, o ambiente belo, os quadros nas paredes, pareciam olha-la com receio, com olhares esquivos. O tapete persa macio, sob seus pés, vermelho e dourado. Quantas lembranças perdidas, quantas memórias ter que buscar. Alguns objetos que havia trazido de suas viagens, Índia, Veneza, Egito, ah o Egito, que saudade sentia daquele lugar maravilhoso, misterioso, intrigante. Olhou de relançe para um quadro que comprara no Líbano, e se lembrou com um sorriso das melodias belissimas que percorriam o mercado, os becos.


Ela sentou no chao, sobre uma almofada azul e verde, respirou fundo novamente e olhou para a lareira. O fogo estalava, e dançava suavemente, hipnotizante em sua frente. Ficou a fitá-lo por minutos, horas, que fossem por toda a eternidade, perdeu a noção do tempo, lembranças tão boas, mas doiam, a saudade apertava seu peito. Mais um trovao e as janelas balançaram novamente, fazendo com que saisse subtamente de seu transe, e seu olhar se desviasse do fogo para a janela, e de lá para a porta que se abria, e lá estava ele, apenas sua silhueta contra os relâmpagos, mas ela sabia que era ele. Levantou-se e correu, e num abraço se uniu novamente a tudo que sempre havia esperado até aquele momento. Poderia abrigar-se novamente em seu peito, ter seus cabelos acariciados no meio da noite, repousar em seus pés enquanto ouvia suas histórias. Ele voltara, ele a encontrara.Estava completa, pelo menos em uma parte de si.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Sublime cativa

Nos beijos entrecortados, no anseio do toque
Na dureza das mãos, na firmeza das palavras
A entrega absoluta que num atimo desata
e ata os nós

as atas visiveis que envolvem, as atas imaginárias que libertam

Sou, estou, entregue, desabo no desabafo, espero
o toque, o beijo, a dor, o prazer, o ser, o ter, o merecer, o vir a querer

Me ate, desate, liberte, cative
cativa sublime, livre furtiva
o olhar esquivo, o arrepiar do corpo, o corpo vestido em pele
adornado pelas gotas de suor, prazer e dor

A entrega, que une, que encerra em ti meu desejo
dono dos meus encejos
senhor do meu sentir
entregue, em ti, unos, sublime cativa.